domingo, 24 de junho de 2012

Maravilhas da natureza da Raia: A Cidadella (Soutochao, c. de Vilardevós, Galiza)

Como alguns dos meus leitores sabem, a semana passada tive a oportunidade e o privilégio de assistir ao XVII Encontro da Associação de Fotógrafos e Bloggers «Lumbudus», sediada em Chaves. Como tenciono participar no concurso de fotografias, ainda não tenho previsto uma entrada para relatar os pormenores mais interessantes, já que não pretendo utilizar essas fotografias no blogue antes de saber se foram premiadas ou não para serem totalmente inéditas. Mas como a escapadela não se limitou ao encontro, aproveitei a oportunidade de visitar outros lugares da Raia entre a Galiza e a região do Alto Tâmega. Um desses lugares maravilhosos, mesmo na fronteira, é o lugar da Cidadella, situada na paróquia de Soutochao, localidade do concelho galego de Vilardevós, na parte do Alto Tâmega que pertence à Galiza.

O próprio nome já indica o seu carácter histórico, já que na montanha que separa o regueiro do Pontón da aldeia de Tomonte, uma aldeiazinha da mesma paróquia, existiu um povoado castrejo na Idade de Ferro com continuidade na época romana. Ao invés de outras partes do concelho, este canto não pertence à bacia do Tâmega, mas sim à do Tua. O regueiro do Pontón e o río que segue água abaixo na direcção da fronteira, entrando em Portugal pela localidade de Segirei (Xixirei em galego), que pertence à freguesia de S. Vicente da Raia, do concelho de Chaves.

A estrada que liga Segirei com Soutochao pertence ainda a um dos percursos do caminho de Santiago da Via da Prata que, de Zamora, entra em Portugal por Quintanilha (f. do c. de Bragança) e segue por Vinhais praticamente de forma idêntica a uma das vias romanas que ligavam Braga com Astorga (as antigas Bracara Augusta e Asturica Augusta). Atravessando o rio Mente, rio em que desagua o regueiro do Pontón, sendo este um afluente do Rabaçal que com o Tuela formam o rio Tua poucos quilómetros antes de chegar a Mirandela, a rota segue por Segirei e entra em terras galegas pela Cidadella, num marco incomparável de azenhas, açudes e cascatas.

O espaço, condicionado pelo concelho de Vilardevós dentro das Rotas do Contrabando, é hoje um parque de lazer com zona de parque de merendas, grelhadores, e sendeiros que transmitem ao visitante uma sensação de paz e harmonia com a Natureza. Frente às montanhas íngremes nas quais se mistura o mato, culturas em socalcos e floresta não autóctone, nas ribeiras do regueiro do Pontón temos um maravilhoso exemplo de vegetação atlântica e de ribeira, com espécies verdejantes que invitam à descontracção num dia quente de Verão. Como em todo bosque atlântico, é característica a presença de espécies vegetais de menor porte como os fetos, amoreiras e relvados em geral. A área recreativa tem um comprimento de dois quilómetros e esta sinalizada em todo o seu percurso, a começar por um moinho ou azenha restaurada da qual ainda é possível ver a mó no lugar que é conhecido como Lombeiro do Muiño (Muiño=moinho em galego). O ribeiro segue por uma série de quedas d'água pequenas serpenteante e represado por um açude que dá lugar a um pequeno estanque e uma pequena mas bela cascata. De súbito, deixamos essa vegetação densa e passamos a uma zona rochosa com apenas giestas e a rocha desnuda. Lá o regueiro dá passo a uma pequena cascata que forma uma poça de água que invita ao banho. A paisagem abre-se de repente e vemos já a oeste o Alto do Lombo da Trave, na região da Lomba, no Parque Natural de Montesinho, já no concelho de Vinhais.

Mas o percurso reserva-nos uma surpresa. Numa espécie de miradouro, encontramos uma cabana de pastores de forma circular, quase como que nos lembrando o habitat típico dos povoados castrejos, e última parte do espaço de lazer. É lá que observamos uma vista belíssima: em primeiro plano, uma grande cascata a arroiar pela rocha do regueiro do Pontón, a cair quase a prumo, à direita, as chamadas Casas do Castelo, da aldeia do Tomonte, ao sopé da Cidadella, e a sul o vale que forma o rio Mente e seus afluentes e uma bela panorâmica de Segirei, uma ímpar aldeia transmontana berço de alguns dos companheiros de fadigas da Lumbudus, e com uns enchidos sem par. E, obviamente, não podemos esquecer o aguardente de ervas, que é mesmo eficaz. Se tiver algum tipo de bactéria no gargalo, posso assegurar que mata qualquer bicho que lá estiver. Dou fé! E praticamente ao lado, um marco fronteiriço: já estamos em Portugal, se bem a estrada será partilhada entre Portugal e a Galiza durante umas centenas de metros, até encontrarmos outro marco fronteiriço que nos indica que a entrada em Portugal é plena. Como obviamente o asfaltado da estrada não pode ser em vertical, o piso muda no meio dos dois marcos fronteiriços.

Os desníveis neste espaço são notáveis. O cume da Cidadella quase atinge os 750 m. de altitude, enquanto o Lombeiro do Muiño, início deste percurso, fica já a um pouco menos de 700 m. O regueiro continua a perder altitude de forma que a primeira cascata está situada já a pouco mais de 640 m. e a cabana de pastores,já na mesma linha de fronteira, está situada a meia encosta de um pequeno outeiro a 643 m. de altitude. A queda da segunda cascata é espectacular já que em poucos metros passamos dos 640 m. a pouco mais de 590, isto é, uma queda de cerca de 50 m.! Daí o rio serpenteia até desaguar em Segirei a menos de 500 m. de altitude. Uma bela praia fluvial, situada entre os 470 e os 480 m. podemos encontrar e bem acondicionada entre Segirei e a aldeia de Sandim, já na Lomba, no concelho de Vinhais.

No entanto, estas terras, como terras de fronteira, foram objecto de avanços e recuos da mesma.  Importa salientar que Soutochao já aparece num documento de 1029 como Soutu Planu e deveu formar parte da Terra de Baroncelli, que segundo a Portugaliae Monumenta Historica. Diplomata et Chartae, formou parte do Condado Portucalense no século XI, sendo que depois foi disputada entre as dioceses de Ourense e Braga, para depois ser dividida nos tempos do rei D. Afonso Henriques, quando Verín forma parte já do reino de Leão e Castela em 1155. No entanto, Soutochao e outras aldeias do concelho de Vilardevós são mencionadas num foral português de 1325 dado à povoação Santa Cruz do Extremo, hoje extinta, e que fracassou enquanto localidade, mas que já mostra, segundo o seu epíteto, a sua situação fronteiriça. Estas terras continuariam na posse do reino de Portugal até 1487, ano em que provavelmente a fronteira nesta região foi definida aproximadamente com os limites actuais.

Sem dúvida é um lugar a não perder e que resulta ideal para visitar as aldeias de fronteira e o vizinho concelho de Vilardevós, onde existe ainda o interessante Museu do Contrabando. Uma paz bucólica é possível encontrar nesta região entre Chaves e Verín, no espaço raiano entre estas e o Parque Natural de Montesinho, decerto muito pouco conhecida, mas igualmente surpreendente. Não perca!

Foto 1. Regueiro do Pontón no Lombeiro do Muiño.
Foto 2. Moinho ou azenha restaurada.
Foto 3. Mó do moinho.
Foto 4. Parque de merendas na envolvente do moinho.
Foto 5. Açude no regueiro do Pontón.
Foto 6. De caminho às cascatas.
Foto 7. Início das cascatas do regueiro.
Foto 8. Vista geral da primeira cascata.
 Foto 9. Vista parcial da cascata e da poça.
Foto 10. O regueiro antes da segunda cascata.
Foto 11. Vale do rio Mente visto da primeira cascata com o Alto do Lombo da Trave à esquerda, já no Parque Natural de Montesinho e no concelho de Vinhais (região da Lomba). 
Foto 12. Vista da cabana de pastores com o planalto da Lomba ao fundo.
Foto 13. Regueiro do Pontón já em terras portuguesas. Repare-se na ampla queda. 
Foto 14. Casas do Castelo com culturas em socalcos, da aldeia do Tomonte, paróquia de Soutochao, concelho de Vilardevós. 
Foto 15. Cabana de pastores e paisagem envolvente, com desníveis importantes.
Foto 16. Vista geral de Segirei (f. de S. Vicente da Raia, c. de Chaves), visto do miradouro.
Foto 17. Segunda cascata do regueiro do Pontón, com uma queda espectacular.
Foto 18. Marco fronteiriço visto do lado da Galiza, perto do miradouro.


Mapa 1. Mapa de situação.

Mapa 2. Mapa específico.

P.S. Existe um interessante site relativamente à aldeia de Soutochao em galego, espanhol e inglês, em que é possível encontrar mais informações acerca da região. De Segirei, embora tenha a intenção de lhe dedicar uma entrada exclusiva, há o magnífico site da grande conhecedora da aldeia Tânia Oliveira. Vale a pena dar uma olhadela!

6 comentários:

  1. Respostas
    1. Gracias. La verdad es que me salieron muy guapas. Y el paisaje lo merecía.

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  2. Beautiful! Beautiful!! Beautiful!!!
    A very enchanting place indeed!

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    1. Yes it is! This is, for me, one of the most beautiful places of the Portuguese-Spanish border. And, of course, I couldn't pass up the oportunity to comment it and show wonderful pics!

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  3. Mais um excelente lugar para eu conhecer, tão pertinho de casa. Muito Obrigado, Luís! :-)

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