domingo, 17 de fevereiro de 2013

Castelos da Raia: Castelo Bom (c. de Almeida, Beira Alta)

Se há um lugar de concentração de castelos em Portugal temos de falar, sem esquecer o Alentejo, da Beira Alta, designadamente do distrito da Guarda. Isto por vários motivos: o primeiro, o facto de ser, obviamente, uma região raiana; o segundo, por ter sido sede de vários concelhos, hoje extintos, que tinham as suas próprias fortificações; e o terceiro, é a sua especificidade histórica: houve uma Raia dupla.

Historicamente esta região raiana formou as chamadas terras de Ribacôa, que compreendiam as terras entre o rio Côa e a Raia formada pelo limite Águeda-Tourões e a Raia Seca de Vilar Formoso até aos Fóios, no Sabugal. Essas terras pertenceram até 1297, data do Tratado de Alcanices, ao reino de Leão, se bem que o rei D. Dinis já as tinha ocupado em 1295, aproveitando a situação de guerra civil em Castela. Um desses castelos foi o castelo de Castelo Bom, que é o tópico desta entrada.

Castelo Bom só começa a ter importância na Idade Média. Para além de uma espada da Idade do Bronze, nada se sabe relativamente à ocupação humana da localidade até ao século XI. A expansão do reino asturiano no século IX que estabilizou as fronteiras com os muçulmanos no Baixo Mondego a Sul e numa linha de castelos na Beira Alta (Trancoso, Mêda, Marialva, Longroiva) de grande importância no século X, foi travada pelas razias muçulmanas que recuperaram o território ao Sul do Douro, com excepção da Terra da Feira. Na Beira Alta teremos de esperar às campanhas de Fernando I de Leão e Castela para falar na recuperação do território, que terá incluído Castelo Bom. No entanto, o concelho só foi criado logo no início do século XII após uma tentativa fracassada de D. Raimundo de Borgonha, sendo que a sua esposa Dª. Urraca deu impulso à localidade, que já fazia fronteira com o Condado Portucalense. Os primitivos povoadores terão vindo da Galiza, Leão e Salamanca. Com o seu filho, Afonso VII de Leão e Castela, o chamado Imperador, recebeu o seu primeiro foral.

Com a independência portuguesa, a localidade torna-se alvo de disputas. Não devemos esquecer a sua proximidade ao rio Côa, mesmo a frente da outra grande fortaleza nesta região: Castelo Mendo. De facto, D. Afonso Henriques, tê-la-á ocupado brevemente em 1170 quando se dirigiu a Ciudad Rodrigo, cidade que conquistou, mas não reteve por muito tempo. A sua importância estratégica levou o rei Afonso IX de Leão a outorgar-lhe foral em 1209. Apesar das tentativas de ocupação portuguesa, só D. Sancho II conseguirá este objectivo, ficando em suas mãos entre 1240 e 1245. A passagem a mãos portuguesas só será possível com D. Dinis, quem após a sua ocupação em 1295 dá-lhe foral em 1296 e assegura a sua posse no Tratado de Alcanices em 1297.

A dominação portuguesa não significou mais calma, apesar da fronteira ter-se apagado nas margens do rio Côa. Registe-se o facto de Castelo Bom ficar a apenas 6 km. de Vilar Formoso, localidade em que ficou a nova demarcação fronteiriça. Contudo, é nesta época quando atinge o seu máximo auge, sendo que com D. Fernando I o castelo é reforçado com uma cintura principal, a Praça de Armas e uma barbacã. Essa situação parece que não durou muito, visto que no Livro das Fortalezas de Duarte de Armas mostra-se o castelo mas já num avançado estado de degradação, o que leva o rei D. Manuel I a dar-lhe foral novo em 1510 e a ordenar a reparação do castelo. Na Guerra da Restauração desempenhou um importante papel na defesa contra as tropas castelhanas, assegurando a independência definitiva do território nacional. No entanto, na Guerra dos Sete Anos e na Guerra Peninsular não teve tanta sorte. De facto, na Terceira Invasão Francesa, as tropas napoleónicas destruíram as fortificações e a localidade ficou devotada à ruína e os seus habitantes à fome, sem poder recuperar o esplendor passado.

Daí o seu declínio que levou o concelho a ser extinto em 1834, quando passou a formar parte do concelho de Almeida. A aldeia, quase em ruínas, era muito pobre, facto que motivou os seus habitantes a destruírem o castelo para aproveitarem as pedras para a construção. A nova linha ferroviária da Beira Alta, que poderia ter sido um novo foco de desenvolvimento, não teve nenhum efeito já que passou ao lado na direcção de Vilar Formoso, que ia aos poucos ampliando as suas funções comerciais e de serviços ligados à estação ferroviária e à Guarda Fiscal, com o trânsito alfandegário. Daí a forte emigração, de início às aldeias vizinhas ou para Vilar Formoso, mas na década de sessenta e setenta para a França. Nem o património se salva quando na década de quarenta a Torre de Menagem é derrubada por um aldeão que pretendia construir uma casa de abrigo para o seu burro!

No entanto, na década de oitenta e noventa foram feitos trabalhos de recuperação. Hoje é considerada uma das Aldeias Históricas de Portugal, se bem que na realidade não o é porque a sua candidatura foi retirada, não se sabe porquê, em 1991. Este facto, porém, permitiu uma restauração integral do centro histórico, fazendo com que passear pela aldeia seja hoje uma actividade de lazer muito prazenteira. É por isso que esta entrada tem mais fotos do que o costume e mesmo assim é impossível captar o ambiente se não se estiver lá. Contudo, espero que desfrutem!

Foto 1. Antigos Paços do Concelho.
Foto 2. Solar do Largo da Igreja. 
Foto 3. Casa da Rua Direita.
Foto 4. Estátua de um peregrino a Santiago.
Foto 5. Poço da Escada.
Foto 6. Casa alpendrada.
Foto 7. Outra casa alpendrada.
Foto 8. Vale do Côa visto das muralhas com a aldeia de Senouras ao fundo.
Foto 9. Outra casa alpendrada.
Foto 10. Casas alpendradas típicas da Beira.
Foto 11. Largo do Revelim.
Foto 12. Lateral da Igreja Matriz (Nossa Senhora da Assunção).
Foto 13. Largo do Revelim (outra perspectiva).
Foto 14. Muralhas medievais.
Foto 15. Cisterna.
Foto 16. Muralhas medievais com vistas à N16 e a A25.
Foto 17. Muralhas e Porta da Vila.
Foto 18. Mais casas alpendradas e Casa do Fidalgo.
Foto 19. Casa do Fidalgo à direita com os antigos Paços do Concelho ao fundo.
Foto 20. Igreja matriz. Fachada.
Foto 21. Pelourinho no Largo da Igreja.
Foto 22. Vale do Côa visto das muralhas medievais na direcção de Castelo Mendo (antiga fronteira).
Foto 23. Planalto granítico visto das muralhas medievais na direcção de Vilar Formoso.
Foto 24. Parte da localidade extra muros.



Ver Castelos da Raia: Castelo Bom num mapa maior
Mapa 1. Mapa da região.


Ver Castelos da Raia: Castelo Bom num mapa maior
Mapa 2. Mapa específico.

domingo, 10 de fevereiro de 2013

Castelos da Raia: Santo Estêvão (c. de Chaves, Alto Tâmega)

Na região do Alto Tâmega existem várias fortificações que deixaram o seu testemunho vivente após séculos de guerras contínuas, testemunhos mudos do que num tempo passado foram as linhas defensivas de uma fronteira maleável que era atravessada facilmente logo que havia uma guerra, semeando confusão, destruição e morte. Mas não, hoje não nos ficamos pelo lado negro da guerra, que os há, sem dúvida, mas sim pela beleza dos castelos que serviram para defender uma região aberta e sem pontos visíveis de separação como é a região do Alto Tâmega.

Falamos nesta ocasião do castelo de Santo Estêvão, na vila e freguesia do mesmo nome, no concelho de Chaves e a apenas 7,5 km. do limite com a Galiza, pela fronteira de Vila Verde da Raia, localidade e freguesia com a que limita. Embora existam restos de ocupação humana já na época romana, parece que foi nos tempos do conde D. Henrique de Borgonha, aquando do seu casamento com D. Teresa, filha de Afonso VI de Leão e Castela, que o castelo terá sido parte do dote, pelo que a região do Alto Tâmega terá passado a formar parte do Condado Portucalense, sendo que esta seria a primeira menção escrita de Santo Estêvão, lá pelo ano de 1093.

Com D. Afonso Henriques, nosso primeiro rei, terá começado a construção do castelo, não sendo concluído até ao reinado de D. Sancho I. A sua filha, Teresa, casou com o rei Afonso IX de Leão, apesar de ser seu primo (motivo que levou à Santa Sé a anular o matrimónio, facto que o rei leonês só acatou depois de vários anos) e viveram no castelo outros filhos do rei como Dª. Mafalda, Dª. Sancha e o infante D. Afonso, que sucedeu o seu pai. No entanto, na sequência de uma invasão leonesa em 1211, o castelo e a localidade ficaram em mãos do rei de Leão até à Convenção de Sabugal de 1231 quando foi devolvida pelo  rei Fernando III de Castela após a união das duas coroas, Leão e Castela numa só, ao rei de Portugal D. Sancho II. 

Foi neste castelo que D. Afonso III casou com Dª. Beatriz, em segundas núpcias, filha do rei sábio Afonso X de Castela em 1253 residindo lá um tempo. Talvez por isso em 1258 a povoação recebeu foral e criou-se o concelho de Santo Estêvão de Chaves, iniciando-se de novo uma reconstrução do castelo. Foi aqui ainda que o rei D. Dinis recebeu a Rainha Santa Isabel. Na crise de 1384-1385, as tropas do rei D. João utilizaram o castelo para o assalto à cidade de Chaves, que era partidária de Castela. O castelo voltará a ter protagonismo uma última vez em 1666 no marco da Guerra da Restauração, em que foi seriamente danificado, sendo a localidade incendiada e arrasada. Os restos foram acrescentados à Igreja Matriz e utilizados como residência paroquial, facto que explica a sua estranha configuração.

Do castelo resta uma torre de menagem, com ameias na parte superior, janelas de estilo gótico e portas ogivais e construção em silharia flanqueada hoje por um belo jardim na fachada principal. Separada apenas por uma vivenda, a igreja matriz apresenta uma torre-sineira ou campanário que na realidade não é mais do que uma torre, talvez uma das torres que marcavam a presença da muralha, que serve para esse propósito. Assim sendo, resulta muito interessante a sua visita e, mesmo apesar dos poucos restos existentes, ainda dá para perceber como deveu ser de importante a sua posição como sentinela da fronteira e como ponto de defesa.

Obviamente, esta visita resulta óptima quando combinada com a gastronomia, a natureza da região e um património ímpar, descobrindo os pequenos recantos que escondem segredos tão agradáveis quanto este. Espero que gostem!

Foto 1. Torre de Menagem do castelo de Santo Estêvão.
Foto 2. Torre de Menagem e jardim.
Foto 3. Torre-sineira da igreja matriz e canhões vistos da torre de menagem.
Foto 4. Torre-sineira e lateral da igreja matriz.
Foto 5. Fachada da Igreja Matriz.
Foto 6. Vale do Tâmega visto de Santo Estêvão.
Foto 7. Largo do Reduto (Santo Estêvão).
Foto 8. Capela de Santo Estêvão.


Mapa 1. Mapa geral.

Mapa 2. Mapa específico.